Penso, logo, não durmo

Escuto o Caio gritando alguma coisa. Não entendo bem o que é, mas já passo a prestar atenção. Caio é meu vizinho. “Droga! Droga! Desliga o alarme”. Era seu pai. Minha cabeça, prejudicada pelo sono, logo começou a pensar no que poderia ser, e em seguida concluiu que não devia ser nada de sério. É normal os vizinhos gritarem, é assim o dia inteiro. Além do mais, a mãe do Caio é medica. Se ele estivesse com algum problema, ela poderia atendê-lo, creio eu. “Lino!”. Agora era ela quem gritava. E o grito pareceu um pouco desesperado. Tremi. Acordei assustado. Pensei que tivesse ocorrido alguma coisa séria com o Caio já que nunca mais tinha ouvido sua voz. Não queria olhar, com medo de ver alguma coisa que me deixaria mal. Ele é da idade da minha sobrinha... Depois que ela nasceu eu fiquei mais sensível... Qualquer coisa que envolve crianças me causa muito mais horror. Vai que o Caio estava muito machucado, sei lá... Minha imaginação vai longe numa hora dessas...

Criei coragem. Ouvi barulho no quarto dos meus pais. Eles também perceberam que aconteceu alguma coisa. Subi na cama e olhei pela janela. “Nossinhora, pai! É fogo!”. Chamei meu pai, como uma criança que ainda pensa que seu pai é um super-herói. Minha mãe foi quem saiu da cama primeiro. Encontramos-nos na porta do meu quarto e saímos juntos pra ver o que realmente acontecera. Fui até a porta e voltei, meio desnorteado. “Será que já chamaram os bombeiros?”. Foi então que me dei conta que o incêndio era pequeno... não era nada sério!

Um cheiro de borracha queimada tomava conta do ar. Mas a gente nem conversa com os vizinhos. E isso é problema? Claro que não! Minha mãe perguntou o que aconteceu, no que a vizinha disse que seu marido estava tentando matar um rato na cozinha, e que pegou fogo. Não sei onde, só sei que pegou fogo. “Agora temos que ficar aqui fora por causa do cheiro da fumaça”, disse ela. “Se precisar de alguma coisa você chama a gente aqui”, me ofereci. “Obrigada”. Ela estava ofegante. O susto dela, com certeza, foi maior que o meu. A vizinha é bem simpática. O marido é que parece um pouco grosso, mas são só impressões.

Minha perna tremia. Só então que olhei para o relógio. Cinco da manhã. Meu pai ainda fez uns comentários egoístas antes de se deitar de novo. Também fomos nos deitar. Mas o sono havia fugido. Subiu junto com a fumaça. É um saco! Agora era hora de me deitar na cama e ficar rolando de um lado para o outro. “Penso, logo, não durmo”. Assim a cabeça funcionava...
Vou escrever meu blog! Como vai se chamar? “Minha vida é um diário em branco. Nnão tem nada que eu possa contar”. Tinha ouvido o Jim Carrey dizer isso em um filme que tinha visto no dia anterior. Diário em branco. Um nome legal ( tão legal que não estava mais disponível!)

“Mãe quero água” as crianças coitadas estavam no carro pelo menos não chovia mais “Mas o que eu vou escrever no blog? Ah, dou um jeito” pensava ao mesmo tempo em que pensava no que poderia ter ocorrido caso o incêndio se alastrasse “vou postar o dia que tiver alguma coisa pra contar” confusão minha cabeça pensava em algumas coisas ao mesmo tempo “não preciso ter obrigação de fazer um post por dia” minhas pernas ainda tremiam “blem, blem, blem” o celular descarregou e eu agora pensava em mais uma coisa “não posso acordar muito tarde” o carregador estava longe e a tomada mais longe ainda “deixa pra depois” mas sem o despertador eu não acordaria cedo “só dessa vez não tem problema” mais um pensamento na casa dos vizinhos no susto na sorte no sono perdido acordei depois das oito e ainda meio bambo de sono me levantei a janela da casa deles estava aberta e já não havia mais o cheiro de fumaça “ainda bem que não foi nada sério” cheguei a conclusão de que esse último parágrafo ficou ainda mais confusos que meu pensamento há algumas horas atrás e eu não sou o Saramago cadê a pontuação dessa porra? Que confusão

Ponto.