23 de jan. de 2008

"All I really want is some patience..."

“Você é daqueles que xingam ou dos que choram quando fica nervoso?” – minha médica perguntou. “Nem um, nem outro” respondi.
Sabe quando uma raiva toma conta de você? Eu tenho esse problema! Nunca coloco a raiva pra fora.
Não consigo reagir por medo. Acho que tenho medo da proporção que um “ataque de fúria” possa causar!! Acho melhor ficar calado do que magoar as pessoas que eu gosto. Querendo ou não, quem te causa raiva são, na maioria das vezes, as pessoas que você gosta.
Hoje vou deixar Rubem Braga falar por mim! Tô bem representado né?
A crônica foi escrita em 1951. Quem tiver paciência leia.


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Os irmãos se separam e então um diz assim:
“Você fique com o que quiser, eu não faço questão de nada; mas se você não se incomoda, eu queria levar essa rede. Você não gosta muito de rede, quem sempre deitava nela era eu.
O relógio da parede eu estou acostumado com ele, mas você precisa mais de relógio do que eu. O armário grande do quarto e essa mesa de canela e essa tralha de cozinha, e o guarda-comida também. Tudo isso é seu. O retrato de nossa irmã você fica com ele também: deixa comigo o de mãe, pois foi a mim que ela deu: você tinha aquele dela de chapéu, e você perdeu. O tinteiro de pai é seu; você escreve mais carta; e até que escreve bonito, você sabe que eu li sua carta para Júlia.
Essas linhas e chumbadas, o puçá e a tarrafa, tudo fica sendo seu; você não nem empatar um anzol, de maneira que para mim é mais fácil arrumar outro aparelho no dia que eu quiser pescar.
Agora, tem uma coisa, o canivete. Pensei que você tivesse jogado fora, mas ontem estava na sua gaveta e hoje eu acho que está no seu bolso, meu irmão.
Ah, isso eu faço questão, me dê esse canivete. O fogão e as cadeiras, a estante e as prateleiras, os dois vasos de enfeite, esse quadro e essa gaiola com a coleira e o alçapão, tudo é seu; mas o canivete é meu. Aliás, essa gaiola fui eu que fiz com esse canivete me ajudando. Você não sabe lidar com canivete, você na sua vida inteira nunca soube descascar uma laranja direito, mas para outras coisas você é bom. Eu sei que ele está no seu bolso.
Eu estou dizendo a você que tudo que tem nesta casa, menos o retrato de mãe – a rede mesmo eu não faço questão, embora eu goste mais de rede e fui sempre eu que consertei o punho, assim como sempre fui eu que consertei a caixa do banheiro e a pia do tanque, você não sabe nem mudar um fusível, embora você ganhar mais dinheiro do que eu; eu vi o presente que você deu para Júlia, ela me mostrou, meu irmão; pois nem a rede eu faço questão, eu apenas acho direito ficar com o retrato de mãe, porque o outro você perdeu.
Me dê esse canivete, meu irmão. Eu quero guardar ele como recordação. Quem me perguntar por que eu gosto tanto desse canivete, eu vou dizer: é porque é lembrança do meu irmão. Eu vou dizer que é lembrança do meu irmão que nunca soube lidar com um canivete, assim como de repente não soube mais lidar com seu próprio irmão. Ou então me dá vergonha de contar e eu digo assim: esse canivete é lembrança de um homem bêbado que antigamente era meu amigo, como se fosse um irmão. Eu estarei dizendo a verdade, porque eu acho que você nunca foi meu irmão.
Eu sou mais velho que você, sou mais velho pouca coisa, mas sou mais velho, de maneira que posso dar conselho: você nunca mais na sua vida, nunca mais puxe canivete para um homem; canivete é serventia de homem, mas é arma de menino, meu irmão. Quando você estiver contrariado com um homem, você dê tiro nele com sua garrucha; pode até matar à traição; nós todos nascemos para morrer. De maneira que, se você morresse agora, não tinha importância; mas eu não estou pensando em matar você, não. Se eu matasse, estava certo, estava matando um inimigo; não seria como você que levantou a arma contra seu irmão.
Bem, mas veja em que condições você me dá esse canivete; um homem andar com uma coisa suja dessas no bolso; não há nada, eu vou limpar ele, nem pra isso você presta, mas para outras coisas você é bom.
Agora fique sossegado, tudo que tem aí é seu. Adeus, e seja feliz, meu irmão.”



PS: Post dedicado àquele que é o principal motivo da minha raiva: “é lembrança de um homem bêbado que antigamente era meu amigo, como se fosse um irmão. Eu estarei dizendo a verdade, porque eu acho que você nunca foi meu irmão.”

2 comentários:

Anônimo disse...

Lucas esse poema do Rubem.tá ótimo pra mandar pros irmãos da minha mãe,cai certinho a carapulsa deles.
e olha que eu nem ia leer né,mais acabei lendo kkkkkkkkkk
bjsssssss e estou adorando teu blog.

Anônimo disse...

Lucas,
Assustador o texto (RSRSRSRSRSRSRS)
Mas vale de lição pra certas pessoinhas chatas que enchem as nossas vidas!

Conselho: pode matar aqueela pessoinha!

Abço, como sua amiga Talita disse:
Estou adorando teu blog.

Vou postar como anônimo, não entendi, tem um montão de coisas pra preencher!