A mãe estava trancada no quarto. Era mais uma das suas crises de enxaqueca, daquelas que a deixava de cama por três dias, todos os meses. Era o último dia, o dia que ela começava a esboçar algum sinal de recuperação. Já estava acostumado. Era sempre assim: desde que ele se entendia por gente.
- Já sabe da novidade? – perguntou a mãe.
Ao dizer que não, foi informado por ela que deveria perguntar a irmã sobre o que acontecera. Ele foi.
A irmã estava vendo televisão. Sessão da Tarde. Ele ainda se recorda da imagem, como se estivesse acontecido há poucas horas. Era sempre assim: a irmã sempre gostou de filmes, e fazia questão de assistir a todos eles antes de ir à escola. Era a irmã mais velha.
- “Eu tô grávida” – disse a moça meio sem querer.
Uma sensação de que a casa acabara de desmoronar sobre si tomou conta do menino. Menino? Quinze anos... talvez um menino ainda. Impulsivamente, ele sugeriu um aborto. Ficou desesperado, e foi ao quarto da mãe falando alto, sem se importar com sua enxaqueca. Berrou, chorou, falou besteiras... e saiu.
Era sempre assim: ele caminhava acompanhado de sua tia. A tia já sabia da gravidez, mas não tinha dito nada a respeito do assunto. Poucas pessoas da família sabiam. Ao mencionar o nome da irmã, ele começou a chorar novamente, como se aquilo fosse o fim do mundo. A tia tentava consolar, em vão. O menino chorava muito, sem se importar com as pessoas que olhavam pra ele com cara de espanto.
Agora tudo fazia sentido! Por isso a moça foi vista vomitando algumas vezes, alegando indisposição... Por isso o pai andava calado, pensativo, estranho... A culpa era de sua irmã e do namorado dela, do “cara que a engravidou”. O menino tentou jogar essa culpa para os dois. Não deu muito certo. A solução era se acostumar com a idéia de que daqui a alguns meses, a família ganharia um novo membro.
O processo de “contar a novidade” aos outros membros da família foi longo, gradual e embaraçoso. Não era um caso de uma gravidez planejada, e a moça tinha só 17 anos. Mais uma mãe adolescente. Mas isso é o tipo de coisa que “acontece nas melhores famílias”, diriam.
Durante toda a gravidez, ele e a irmã mantiveram uma relação delicada. As brigas aumentaram e, sempre que possível, ele a fazia chorar. As grávidas ficam mais sensíveis e, com sua irmã não foi diferente. Ciúme? Creio que não... Mesmo quando teve que ceder seu quarto para o berço do neném. Que cara teria? Como seria? Como se chamaria? Eram tantas dúvidas, tanta ansiedade, tanta vontade de que o bebê viesse logo. Era uma menina! E ele fez uma lista de nomes. Do mesmo jeito que ajudou a irmã a lavar todas as roupinhas que já tinha ganhado e decorar alguns objetos de decoração para o quarto da menina. Agora ele estava empolgado com a situação e os nove meses pareciam eternos. Aos poucos, a idéia de ser tio se fixava na cabeça do garoto.
Um dia, chegando da escola, encontrou a irmã se arrumando. As contrações estavam forte, e a bolsa havia se rompido. Era agora. A mãe estava no trabalho, o pai trabalhava em outra cidade... Por aquele instante, o “menino” foi o “homem” da casa. A situação exigiu maturidade! Uma amiga da escola foi quem levou a irmã para o hospital e quem ficou responsável por mandar notícias.
Notícias que não chegavam! A ansiedade aumentava, junto com a preocupação. Ele se lembrava do procedimento cirúrgico pelo qual a irmã teve que passar para evitar um aborto espontâneo há meses atrás.
Ele pensou nas besteiras que disse quando soube da gravidez da irmã. Um aborto? Agora que aquela possibilidade independia de sua vontade ele se preocupava!! A agonia durou até a noite. A menina nasceu as 22h. Um dia inteiro num misto de felicidade e agonia. Ao receber o telefonema ele se sentiu “tio”. Dormiu com o irmão mais novo, como o “homem da casa” faria numa situação dessas.
No outro dia, na escola, não lembrava em nada o menino que se constrangia ao comentar a gravidez adolescente da irmã. Fazia questão de exibir para todos que já era tio. Só no outro dia à noite que conheceu a sobrinha, e ficou radiante ao carregá-la no colo pela primeira vez.
Assim que a irmã começou a trabalhar, ficou com o tio a responsabilidade de cuidar da menininha. Agora ele já tinha 16 anos, ela oito meses. Era o tio quem passava o dia todo com ela. Até trocou o turno da escola e, agora, estudava à noite.
Ele era o responsável por levar a menina ao jardim, e a buscá-la também! Chegava, preparava a mamadeira e a colocava pra dormir. Dava comida e limpava o cocô. Na semana que a menina completou um ano ela deu os primeiros passos e o tio coruja, ficou todo orgulhoso ao ver a menina no centro da sala, no dia da festa, dançando funk. Até hoje se lembra daquela imagem... Nada tão gracioso como aquilo
A sobrinha passou a ser uma espécie de filha. Um pedaço do tio. Motivo de orgulho, de preocupação. Depósito de amor, e fonte também, de onde ele recebia um amor incondicional daquela menininha.
O tempo passou. O tio virou um homem. A menininha, hoje é uma criança que está aprendendo a ler e escrever. O tio, não menos orgulhoso, acompanha cada palavrinha nova que a menina lê sozinha...
São muito unidos. Há muito do tio na criança. Há muito da criança no tio.
Nesta semana a criança completa sete anos. E o tio, orgulhoso como sempre, resolve contar uma história para que um dia ela saiba o quanto é amada.
Hoje o tio tem certeza de que se arrependeria profundamente caso a irmã tivesse seguido seu conselho e feito um aborto. Hoje o tio sabe que sua vida não seria a mesma, se não fosse aquela gravidez inesperada; aquele “acidente” que lhe trouxe seu bem mais precioso.
O nome da menina é Thais...
E seu tio, sou eu!